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sexta-feira, maio 30, 2003

Solidão


Não percebo porque ainda escrevo
Apesar desta caneta já não ter tinta.
Olho em frente e vejo a resposta
Nos teus lábios cor de silêncio.


Não me abandones aqui neste sítio,
Longe do teu olhar e do teu sorriso,
Da harmonia selvagem da tua alma...
E da dor que vês quando me tocas.

Perdoa-me se te causo embaraço
E se espero que esta folha arda
Em vez de ser o anjo da guarda
Que te devia proteger deste mundo.


Pensas que sou um príncipe salvador,
Mas nunca olhaste a minha loucura,
O meu cansaço infinito e perigoso,
E esta vontade primordial de morrer.


Desculpa a sinceridade inocente
Da caneta que agora escreve
Mil toneladas de um grito leve,
Mas que amanhã se calará.

Estou demasiado doente para escrever,
Por isso não te aproximes de mim,
Prossegue no teu antigo caminho
E nunca mais leias a minha poesia.

domingo, maio 25, 2003

Universo à parte


Não há mais lógica nas hortaliças
E já não consigo escrever poesia;

O ritmo e a rima desapareceram
Juntamente com a paixão e o ardor
Da juventude que nunca ressuscitarei.

Penso no pensamento definitivo,
No mode de fazer o mundo funcionar
Ou de, pelo menos, reparares em mim
Com o olhar que também não sei.

Já não sei fazer castelos de areia
E tu nunca mais me telefonaste.

As flores murcharam subitamente
Com a chegada da tua primavera
E com a despedida do meu sonho.

Já não sei para onde vou,
Se sequer vou ou se fico,
Onde estou ou porque me fico
Sempre que penso onde vou.


quarta-feira, maio 14, 2003

Olhar oculto


Tu és aquela perfeita poesia
Que eu nunca conseguirei criar,
E que só a furiosa harmonia
Da tua alma consegue espelhar.


Ambos nascemos na noite fria
Em que o sol parou de brilhar,
E em que a lua fez a fantasia
Que eu nunca soube sepultar.


Juntos existimos na alma unida
Com que exploramos a rua deserta
Em busca da liberdade indefinida
Que guardas numa prisão incerta.


Esta é a altura da despedida,
Porque o ciclo da vida desperta
Sempre que tu estás adormecida
Sobre a minha sepultura aberta.


A noite desfalece serenamente,
Mas mesmo assim eu acredito
Que tu vais viver eternamente
No olhar oculto deste meu grito.


Agora a manhã nasce impaciente
E o sol repete o gesto infinito
Que eu persegui desde sempre,
E que mora na alma onde habito.

domingo, maio 11, 2003

O anjo da guarda



Numa fria manhã de Inverno,
Um velho professor de filosofia
Caminha assustado pela minha rua,
Como se tivesse pressa para chegar
Ao fim do cruzamento desta poesia.


Caminha com passos compadecidos,
Lentos mas ansiosos por encontrar
O velho anjo da guarda perdido
Por entre os anos que escaparam
E que jamais conseguiram parar.


A enorme rua ruidosa foge aflita
Ao ver as nuvens descerem do céu
E poisarem nas longas barbas frias
Da sombra vagarosa do seu professor
Coberto com um branco e frágil véu.


Ninguém vê um rapaz moribundo
Atravessado no meio do passeio,
Mas alguém pega nele e embala-o
Até enfim ouvir o último suspiro
Do anjo da guarda que afinal veio.

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