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terça-feira, setembro 30, 2003

Outono



Naquela quieta tarde adormecida
A vida despertou dum longo sono:
Brotaram folhas da terra despida
E o vento varreu uma alma caída,
Que renasceu com aquele Outono.


Surgiste na melancolia paciente
De uma aragem pacífica e fria.
O teu gesto, sereno e ardente,
Despiu as àrvores suavemente
E cobriu o silêncio de poesia.

quinta-feira, setembro 25, 2003

O cego da Boavista


Um velho destroço abandonado
Sobe a sombria rua enoitecida
Em busca dum leito desabitado
Na reles esquina ali ao lado,
Perto da longa e larga avenida.


Derrama a alma sobre o chão
E cobre o corpo com um jornal.
Adormece sem sentir a contrição
Com que se arrasta a civilização
Desde que criou o bem e o mal.


Sonha no silêncio da fantasia
De um lugar que nunca se avista,
E acorda com o brilho da poesia
Da lua que o baptizou um dia
De "o cego da Boavista".


Nem sequer vê a àguia devorada
Por um leão frenético e faminto,
No monumento da rotunda parada.
Mas sente a visão fria e calada
Daquele vencido animal extinto.


A mãe madrugada nasce num jazigo,
Porque a noite gelada e piedosa
Levou o seu amado filho consigo:
A alma livre subiu a um abrigo
E deixou o cadáver na rua irosa.


Do meio da multidão indiferente
Irrompe um rosto sem expressão
Despindo o casaco caro e quente,
E cobrindo o seu professor ausente,
Que acaba de dar a última lição.

quinta-feira, setembro 11, 2003

Tu e eu


Tu foste a manhã de um dia
Que nunca chegou a amanhecer.
Eu fui uma noite escura e fria
Que teve uma ingénua fantasia
Onde tu não me vias escurecer.



Tu sonhaste uma suave sinfonia
Em que me escutaste alvorecer.
Eu sonhei que afinal distinguia
Se eu não vivia ou nunca te via,
Se havia de nascer ou morrer.



Tu inventaste uma clara alegria
Que fez a minha sombra tremer.
Eu inventei uma afogada agonia
Que manifestava o que eu sentia,
Mas que nunca soubeste entender.



Tu apagaste o sol daquele dia
Porque me querias ver florescer.
Eu apaguei a paixão que me ardia
Porque a tua luz tem a harmonia
Que a Vida nunca poderá perder.


quarta-feira, junho 25, 2003

Susana


Naquele dia a manhã adormeceu,
Mas o sol passou pela persiana
Da janela da minha mente pura,
Iluminando a fantasia inocente
Do primeiro olhar que viu Susana.


Susana revelou-me um segredo
Sobre a luz do ciclo da Vida,
Que um dia eu hei-de escutar
No silêncio da minha sepultura
Coberta com uma alma perdida.


Susana ensinou-me a aprender
A viver a voar no seu mundo
Colorido com um sonho selvagem,
Mas não me falou do arco-íris
Negro nascido num sono profundo.


Susana mostrou-me um caminho
Sem sentido, destino ou poesia,
Que me arrastou até aos confins
Mais escuros deste meu espectro,
Que não domino desde esse dia.


Só lhe pedi que não me deixasse
Perdido no seu silêncio infinito,
Mas até eu me esqueci da voz
Que ainda chama por Susana
Na poesia repetida do meu grito.


Agora levanto-me todas as manhãs
E arrasto um corpo que não me serve
Por um caminho que me atropela,
Mas a minha alma continua imóvel,
Esperando que um outro dia me leve.


sexta-feira, junho 13, 2003

Auto-retrato inacabado



Vejo um louco esquizofrénico
Correndo para lado nenhum,
Enquanto procura a sua alma
Disforme, frágil e amaldiçoada.



Ouço os seus passos libertados
Do perseguidor barulho da cidade,
E entendo porque é que foge
Aflito, dorido e horrorizado.



Reparo que corro a seu lado,
Sem saber para onde caminha
O vento que leva a minha mente
Decadente, infeliz e assustada.



Todos na rua olham para nós
Como se fossemos dois loucos,
Mas ninguém vê o nosso olhar
Impaciente, vencido e gelado.

quarta-feira, junho 11, 2003

Olhar oculto



Tu és aquela perfeita poesia
Que eu nunca conseguirei criar,
E que só a furiosa harmonia
Da tua alma consegue espelhar.


Ambos nascemos na noite fria
Em que o sol parou de brilhar,
E em que a lua fez a fantasia
Que eu nunca soube sepultar.


Juntos existimos na alma unida
Com que exploramos a rua deserta
Em busca da liberdade indefinida
Que guardas numa prisão incerta.


Esta é a altura da despedida,
Porque o ciclo da vida desperta
Sempre que tu estás adormecida
Sobre a minha sepultura aberta.


A noite desfalece serenamente,
Mas mesmo assim eu acredito
Que tu vais viver eternamente
No olhar oculto deste meu grito.


Agora a manhã nasce impaciente
E o sol repete o gesto infinito
Que eu persegui desde sempre,
E que mora na alma onde habito.

sexta-feira, maio 30, 2003

Solidão


Não percebo porque ainda escrevo
Apesar desta caneta já não ter tinta.
Olho em frente e vejo a resposta
Nos teus lábios cor de silêncio.


Não me abandones aqui neste sítio,
Longe do teu olhar e do teu sorriso,
Da harmonia selvagem da tua alma...
E da dor que vês quando me tocas.

Perdoa-me se te causo embaraço
E se espero que esta folha arda
Em vez de ser o anjo da guarda
Que te devia proteger deste mundo.


Pensas que sou um príncipe salvador,
Mas nunca olhaste a minha loucura,
O meu cansaço infinito e perigoso,
E esta vontade primordial de morrer.


Desculpa a sinceridade inocente
Da caneta que agora escreve
Mil toneladas de um grito leve,
Mas que amanhã se calará.

Estou demasiado doente para escrever,
Por isso não te aproximes de mim,
Prossegue no teu antigo caminho
E nunca mais leias a minha poesia.

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